O retorno às Escrituras - Os valdenses e a Pré-Reforma (Rev. Thomas Miersm)



Traduzido por Lucio Manoel

Durante a Idade Média, Deus sempre preservou na igreja um remanescente que manteve a luz do evangelho acesa no meio das trevas predominantes. Os valdenses eram um grupo assim. Eles não eram, na maioria das vezes, homens eruditos ou teólogos. Originalmente, eles formaram um grupo dentro da igreja existente, não tinham nenhum desejo real de deixar a igreja ou reformá-la. Embora sua contribuição para a história da doutrina seja pequena, eles serviram até certo ponto na preparação do caminho para o retorno às Escrituras nos dias da Reforma e, portanto, são dignos de nossa atenção.

Os valdenses derivam seu nome de Peter Waldo, um próspero comerciante de Lyon, na França, que viveu no final da década de 1100 e provavelmente morreu por volta de 1218. Embora pouco de sua vida seja conhecida com certeza, há várias coisas que se podem dizer sobre ele. Waldo era evidentemente um filho fiel da igreja romana. Nos seus dias, a piedade e devoção espiritual eram medidas em termos de atos voluntários de humilhação, peregrinações, isolamento monástico e outros atos externos de devoção. Ele, portanto, que desejava viver uma vida mais espiritual, religiosa e santa, se separava ao máximo possível das coisas materiais do mundo, a fim de se dedicar à contemplação espiritual e às boas obras. Essa ideia de uma separação física do mundo estava parcialmente enraizada na ideia católica romana de que o mal era encontrado nas coisas materiais, bem como na falta de um entendimento claro da doutrina da justificação pela fé sem obras. O monasticismo e o celibato eram vistos como a forma mais elevada da vida religiosa.

Nesse ambiente, havia várias avenidas ou modos de vida abertos aos leigos que buscavam uma vida espiritual mais significativa e uma caminhada santificada. Foi esse desejo que motivou Peter Waldo, sob a instrução e conselho de um padre, a tomar literalmente a ordem do jovem rico de vender tudo o que tinha, de dar aos pobres e seguir a Cristo. Por volta do ano de 1170, ele proveu sua esposa e filhas, as últimas entrando em um convento, e distribuiu seus bens restantes entre os pobres. Seu desejo era viver simplesmente de acordo com os mandamentos literais do evangelho.

Esse desejo o levou a promover uma tradução dos evangelhos e de outras partes das Escrituras do Latim para o idioma comum do povo. Então ele e aqueles que concordaram com ele foram de aldeia em aldeia, pregando. Nisto, ele e seus seguidores procuraram seguir diretamente o mandamento de Cristo aos apóstolos, para sair dois a dois, levando consigo nada além das necessidades básicas da vida. O nome que eles alegaram para si mesmos era "os pobres de Cristo". Eles procuravam, através de sua pregação, espalhar os simples preceitos do evangelho entre as pessoas. À medida que esse movimento se espalhou, foi resistido pela igreja que os proibiu de pregar. Quando os valdenses buscaram a aprovação das autoridades da igreja para seu modo de vida e para a tradução dos evangelhos, a igreja recusou seu consentimento.

Esta rejeição pelas autoridades da igreja é compreensível. Em primeiro lugar, os valdenses não foram ordenados e enviados para pregar; eles eram leigos, não portadores de ofícios. Embora a igreja estivesse tecnicamente correta, ela ignorou a questão real: que o próprio clero havia negligenciado pregar fielmente a Palavra, e que aqueles que eram o povo de Deus ansiavam por Sua Palavra. Em segundo lugar, essa pregação do evangelho, por mais simples que seja a forma, representava uma ameaça a toda a estrutura que a igreja romana havia construído, pois se baseava nas tradições humanas e nos mandamentos dos homens. Um retorno à Palavra de Deus como autoridade para a fé e a vida iria inevitavelmente minar todo o sistema de doutrina católico romana, dos sacramentos, da hierarquia, dos papas e, com eles, o poder temporal da igreja. E então eles foram proibidos de pregar, e quando se recusaram a parar, dizendo que deviam obedecer a Deus, e não aos homens, foram excomungados, o que naquela época também os expôs a punição pelas autoridades civis. O movimento, no entanto, continuou a se espalhar, da França para a Itália, Áustria, Alemanha e até para a Polônia.

Além de pregar, os valdenses também distribuíram e venderam cópias dos evangelhos e outras partes da Escritura, e na linguagem comum do povo. Isso levou a um maior conhecimento da Palavra de Deus entre as pessoas comuns e também serviria para preparar o caminho para a Reforma Protestante.

Apesar de terem sido expulsos da igreja, os valdenses continuaram seus trabalhos. Seu zeloso ensino e pregação das Escrituras na linguagem comum não poderia ficar sem efeito. O grupo cada vez mais começou a questionar certas doutrinas da igreja. Em primeiro lugar, eles enfatizaram a importância da pregação. Isso estava em desacordo com a ênfase da igreja romana nos sacramentos, particularmente a missa, e a prioridade destes sobre a pregação. Eles também começaram a desafiar doutrinas como purgatório e orações pelos mortos. Positivamente, eles começaram a afirmar, de forma precoce, a doutrina do sacerdócio dos crentes. O direito do clero infiel de exercer seu ofício também foi desafiado por eles. Isso por si só era de fato uma ameaça séria para Roma, pois muitos de seus sacerdotes viviam em fornicação e concubinato.

Embora tudo isso não signifique que os valdenses fossem verdadeiros protestantes, no entanto, em seu desenvolvimento, eles estavam caminhando na direção da Reforma. O movimento deles estava enraizado principalmente no desejo de piedade pessoal e espiritualidade, enquanto seu desenvolvimento doutrinário permanecia em segundo plano. Sua abordagem simples das Escrituras freqüentemente levou a uma evidente falta de clareza em seus pontos de vista, bem como a vários erros graves. Alguns de seus grupos, por exemplo, ensinaram que as mulheres também podiam pregar. Isso foi uma confusão do ofício de todos os crentes com a obra oficial do ministério, uma confusão que surgiu da rejeição dos valdenses à autoridade dos ofícios da igreja. Eles também mostraram uma tendência de mergulhar em ideias anabatistas e batistas e a rejeitar o batismo infantil e o juramento legal.

Mas foi a ênfase deles na pregação e no poder e autoridade da Palavra de Deus, e a disseminação das Escrituras ao povo que lhes reservou um lugar especial na história da igreja. Essas coisas, a hierarquia de Roma não podia tolerar. E ao lidar com os valdenses, a igreja acabou por criar uma contrapartida aprovada pela por ela mesma, para os seus membros descontentes. O grupo dos "pobres católicos" que enfatizava as mesmas ideias de pobreza e piedade pessoal, porém sob o estrito controle da igreja. Mais tarde, essa ideia encontrou um lar na ordem religiosa dos franciscanos na igreja romana.

Uma segunda resposta da igreja a esse movimento crescente foi proibir os leigos de possuir cópias das Escrituras. Até então, a igreja não assumira posição oficial sobre o assunto, mas no Sínodo de Toulouse, em 1229, a Bíblia foi oficialmente removida das mãos dos leigos. Todas as traduções também foram denunciadas. Os leigos só podiam possuir as partes das Escrituras que estavam em uso na liturgia da igreja, como o saltério. O decreto deste Sínodo não era universal, mas estabeleceu o padrão para a Idade Média posterior e reflete o endurecimento da igreja em sua posição de remover as Escrituras do povo.

A resposta primária da igreja, no entanto, foi a de supressão e perseguição. Essa perseguição a princípio variou em grau e de um lugar para outro, mas aumentou em severidade à medida que a influência dos valdenses se espalhava. Já em 1212, parte de seu número pode ter sofrido o martírio em Estrasburgo. Em algumas áreas da Europa, eles foram capazes de obter um número considerável de seguidores, especialmente na Boêmia, onde o pré-Reformador John Hus surgiria. Para combater esses desenvolvimentos, a igreja estabeleceu a Inquisição. A Inquisição foi organizada pelos papas e seu objetivo era erradicar e destruir a heresia por meio de interrogatório e ameaças sob tortura. Embora a Inquisição fosse dirigida a outros grupos além dos valdenses, eles também foram vítimas de seus métodos de tortura, prisão e execução, queimados na fogueira. Nos anos 1300, a Inquisição foi enviada a Boêmia, Polônia e Áustria para erradicar os valdenses. Em 1487, o Papa Inocêncio VIII convocou o rei da França a iniciar uma cruzada contra os valdenses, a fim de arrancá-los dos vales alpinos, para os quais muitos deles haviam se retirado em busca de segurança.

Apesar disso, os valdenses sobreviveram e, quando a Reforma ocorreu, nos anos 1500, eles se apropriaram dela e de sua doutrina. Foi então que eles sofreram algumas das mais ferozes perseguições.

Nos valdenses, portanto, também é revelado o fato de que o caminho do retorno da igreja às Escrituras não seria um caminho de reforma pacífica, mas um caminho de sofrimento e morte pela Palavra de Deus. Pois a igreja de Roma se manifestava cada vez mais como a igreja falsa. Somente no caminho do sofrimento seria quebrado o jugo da tradição e da falsa doutrina e a igreja reformada, sobre o fundamento da pura Palavra de Deus, enfim surgiria.


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